Educação ambiental e desenvolvimento integral do potencial humano
Educação ambiental e desenvolvimento integral do potencial humano
Resumo
Este artigo está baseado no método indutivo, partindo das vivências dos leitores para posteriormente estabelecer essa relação com as estruturas representadas pelas instituições e pelos comportamentos sociais e, por fim, retornar ao desafio de agir individual e socialmente nos espaços em que atua, na prática aplicada deste saber. Portanto, apresenta-se os conceitos de ser social e problematiza questões importantes como: gênero, respeito e tolerância; questões socioeducacionais como identidade de gênero e práticas antirracistas de forma articulada com a educação ambiental e cidadania e estabelece conexões entre as dimensões macro e micro, para o desenvolvimento integral e o ser humano, não como centro do ambiente, mas como parte integrante e integral do nosso habitat. Pretende-se ser provocativo e mexer com sua disposição de se inserir como sujeito socioambiental de transformação, especialmente no espaço escolar, e que, a partir daí, você se expanda com uma mudança de comportamento que está sempre em aberto, conhecendo e aplicando novos saberes.
Abstract
This article is based on the inductive method, starting from the readers' experiences to later establish this relationship with the structures represented by institutions and social behaviors and, finally, return to the challenge of acting individually and socially in the spaces in which it operates, in applied practice. of this knowledge. Therefore, the concepts of being social are presented and important issues are discussed, such as: gender, respect and tolerance; socio-educational issues such as gender identity and anti-racist practices articulated with environmental education and citizenship and establish connections between macro and micro dimensions, for integral development and the human being, not as the center of the environment, but as an integral and integral part of the our habitat. It is intended to be provocative and move your willingness to insert yourself as a socio-environmental subject of transformation, especially in the school space, and that, from there, you expand with a change of behavior that is always open, knowing and applying new knowledge.
Apresentação
O campo de estudos ambientais é bastante amplo e vem mobilizando muitas áreas de pesquisas e publicações nas últimas décadas, por isso há que se estabelecer um recorte específico sobre o tema do desenvolvimento integral e do potencial humano. Do contrário, corre-se o risco de entrar no turbilhão da hiperinformação, o que gera ansiedade e desencadeia a síndrome do pensamento acelerado, típica da “sociedade do cansaço”.
O desenvolvimento integral do potencial humano situa-se no campo da educação ambiental e é de cunho interdisciplinar, ou seja, o texto atual dialoga e se relaciona com outros conteúdos da mesma área, na medida em que se cruzam conceitos filosóficos com questões macro, como por exemplo: problemas climáticos; gestão ambiental de empresas e de cidades; políticas públicas e legislação. Tais abordagens deverão estar articuladas com questões micro, especialmente a partir do enfoque artístico e educacional.
Vamos tratar aqui do desenvolvimento integral, por isso essa conexão entre o macro e o micro, tendo o ser humano não como centro do desenvolvimento (antropocentrismo), mas como parte integrante da natureza em completa conexão com o todo.
1. O indivíduo e o meio ambiente
Quando se refere ao meio ambiente, costuma-se começar pela abordagem dos anos 1970, da 1ª Conferência Mundial do Clima (1972), quando foi apresentado o relatório do Clube de Roma (1968) sobre os Limites do Crescimento ou o Relatório Meadows, amplamente debatido na Conferência Mundial do Clima que aconteceu no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992 (Benjamin, 1993).
Essa abordagem tem seu valor e cumpre um papel muito importante para sensibilizar a importância do tema, porém não é a única porta de entrada para abordagem dessa questão, podendo-se iniciar pela abordagem indutiva das vivências individuais que também se mostram potentes para desencadear uma mudança comportamental, como afirma Ab’Saber (1993 - p. 107): “Um processo de Educação que garante um compromisso com o futuro. Envolvendo uma nova filosofia de vida. É um novo ideário comportamental, tanto em âmbito individual, quanto na escala coletiva”. Quando se trata de responsabilidades individuais em relação ao problema ambiental, parece haver uma relação direta no sentido da necessidade de mudança de comportamento imediata das pessoas nas pequenas coisas do seu cotidiano, seguida de expressões como “faça sua parte”.
Porém, você já parou para pensar que não é simples assim? Ao mesmo tempo em que é importante que cada um faça sua parte, se não houver mudanças estruturais (macro), pouco adianta um indivíduo mudar seu comportamento em pequenas coisas que terão pouco efeito diante da amplitude da catástrofe ambiental que está em marcha. Contudo, se todos ou a maioria dos indivíduos fizer sua parte, poderá amenizar significativamente, mas dificilmente haverá reversão do processo se não houver mudanças estruturais.
E se fizermos o raciocínio inverso imaginando haver uma mudança estrutural na forma de produção e utilização de energias limpas eliminando todas as formas de desmatamento, poluição de rios, emissão de outros gases, reuso de todos os resíduos e rejeitos, etc. Isso tudo seria possível ou se manteria sem que houvesse uma mudança de comportamento individual?
Os efeitos desta dicotomia se transformam num círculo vicioso, se retroalimentam e caminham para uma entropia sem que se visualize uma saída viável. Os indivíduos engajados se sentem impotentes e os não engajados podem se sentir culpados por não fazerem a sua parte mesmo quando são vítimas do sistema.
Nesse contexto, talvez a melhor das opções seja a mudança de comportamento e, ao mesmo tempo, o engajamento em organizações e pautas que defendam o meio ambiente, combinando ações individuais e coletivas que aos poucos deverão ampliar a consciência da sociedade e legitimar sua agenda para que haja mudanças estruturais.
Sim, todas essas iniciativas são válidas e promissoras. Muitas leis foram aprovadas, novos impostos criados para penalizar poluidores e remunerar protetores do meio ambiente, punições judiciais contra infratores, mas também há deslocamentos do sistema no sentido contrário, alterando códigos ambientais mais permissivos aos devastadores, impunidade aos infratores (que funciona como incentivo para os agressores do meio ambiente) e até posicionamentos de autoridades que soam violentos contra quem defende o meio ambiente. Entre avanços e recuos não há consenso sobre o balanço deste mais de meio século de agenda ambiental global.
Diante dessa situação dialética, pretende-se apresentar aqui um conceito pouco utilizado e debatido em nosso continente ainda que já apresentado há décadas. Trata-se do conceito de self-reliance como estratégia para o desenvolvimento apresentado por Johan Galtung (1977), cuja tradução significa autossuficiência ou autoconfiança, inicialmente cunhada pelo filósofo norteamericano Ralph Waldo (1841), que compreende a necessidade do indivíduo evitar a conformidade, ter iniciativa e seguir suas próprias ideias, mas também utilizado pelo líder chinês Mao Tsé Tung no sentido de regenerar-se a partir do próprio esforço, o que se aproxima com o conceito de resiliência. Galtung (1977) retoma o conceito de self-reliance e o propõe como estratégia para um outro modelo de desenvolvimento, considerando-o como um conceito aberto que articula a autoconfiança (indivíduo) e nos coletivos dos quais faz parte, uma lógica de poder horizontal sob os princípios da participação e da solidariedade.
Trata-se de uma visão mais complexa do que ações individuais e participação em lutas coletivas para exigir que as autoridades e empresas promovam mudanças estruturais. O autor defende que adotar o conceito self-reliance como estratégia para o desenvolvimento significa, em primeiro lugar, um comportamento de resistência contra a lógica de poder baseada nas relações “centro-periferia” e seus mecanismos de penetração, fragmentação, marginalização e segmentação de lugares e indivíduos, considerando que cada parte é o centro; portanto, as relações de poder (político e econômico) precisam ser horizontalizadas numa espécie de “rede distribuída”.
Assim, o autor propõe outra lógica de desenvolvimento que não depende apenas das ações individuais, tampouco requer uma transformação geral do sistema para começar a ser implementada. A prática de self-reliance como estratégia de desenvolvimento consiste em regenerar os padrões dominantes, começando pela autoconfiança, confiar em si mesmo, ou seja, no eu individual e no eu coletivo com os outros na mesma posição, baseado em dois princípios: a participação e a solidariedade. Trata-se de um movimento dinâmico e criativo de cogestão e de cooperação, de baixo para cima, ou seja, como afirma o autor, self-reliance refere-se mais ao campo psico-político do que econômico.
Continuando essa análise da relação dos indivíduos com o meio ambiente, há que se considerar o ambiente como um todo integrado, por isso se trata de um estilo de pensamento complexo e não fragmentado em que as partes são interdependentes e os seres humanos são parte deste todo, e não o centro do sistema como preconiza a visão antropocêntrica que hegemonizou a lógica da modernidade pelo menos nos últimos três séculos, que já se demonstrou insustentável.
Assim, na tarefa de apresentar propostas que visem ser sustentáveis, é preciso observar o conjunto das dimensões do desenvolvimento de forma integrada e interdependente, visão da qual Ignacy Sachs (2002) é uma das principais referências, apresentando oito dimensões do desenvolvimento sustentável: social, cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico, política nacional e política internacional.
Essa elaboração é curiosamente interessante pela relevância e destaque que o autor dá para a primeira dimensão: “Social: que se refere ao alcance de um patamar razoável de homogeneidade social, com distribuição de renda justa, emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente e igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais.” (Sachs, 2002, p. 85).
Mas quando se trata desta dimensão de homogeneidade social, de distribuição de renda justa e de qualidade de vida, também estamos falando em meio ambiente?
Certamente que, sim, pois, se por um lado, a experiência antropocêntrica de estabelecer uma relação de centro-periferia entre os humanos e a natureza resultou numa situação que impõe limites a esse modelo de crescimento, por outro lado, inverter a situação e tratar do meio ambiente sem levar em consideração as pessoas, especialmente aquelas que estão sendo vítimas desta mesma lógica centro-periferia nas relações socioeconômicas, seria repetir o mesmo erro. Portanto, a defesa ambiental requer também a defesa da equidade social, pois nem todos sofrem as consequências da destruição ambiental com a mesma intensidade.
2. Ética nas relações sociais e ambientais
Um dos argumentos importantes para sensibilizar a necessidade de atitudes no sentido de reverter os desequilíbrios ambientais é de que esses atingem a todos, indistintamente, por exemplo, a poluição do ar se espalha pelo planeta e não “respeita” demarcação política de território, tampouco os espaços de bairros nobres ou periferias, portanto, o problema ambiental é irrestrito.
Contudo, alguns são mais afetados que outros, especialmente em virtude das condições socioeconômicas, conforme indica o último Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (PNUD, 2019):
Desigualdade de género: Alguns grupos de pessoas são sistematicamente desprivilegiados, de diversas formas. Estes grupos podem definir-se pela etnia, pela língua, pelo gênero ou pela casta — ou, simplesmente, pelo facto de residirem no norte, sul, leste ou oeste de um país. Existem muitos exemplos de tais grupos, mas, a nível mundial, o maior é, sem dúvida, o das mulheres. Por toda a parte, as disparidades de género estão entre as formas mais enraizadas de desigualdade. Uma vez que estas desvantagens afetam metade do mundo, a desigualdade de género é uma das maiores barreiras ao desenvolvimento humano. (PNUD, 2019, p. 13)
Quando acumuladas, os dois principais indicadores que afetam em maior abrangência as condições para o desenvolvimento do potencial humano são as características de gênero e etnicorracial e quando essas duas situações se sobrepõem aumenta a intensidade das dificuldades de superação das condições impostas, conforme indica a tabela abaixo, retirada do Documento Temático dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU no Brasil (2017).
Outro aspecto ambientalmente desigual é a incidência das mortes violentas por diferenças raciais, cujo dado mais recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra o quão é relevante este indicador, especialmente na realidade brasileira.
Em 2019, os negros (soma dos pretos e pardos da classificação do IBGE) representaram 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 29,2. Comparativamente, entre os não negros (soma dos amarelos, brancos e indígenas) a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Em outras palavras, no último ano, a taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior que entre não negras. Da mesma forma, as mulheres negras representaram 66,0% do total de mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 4,1, em comparação a taxa de 2,5 para mulheres não negras (Cerqueira, 2021, p. 22).
Em síntese, considera-se que não há como tratar o tema ambiental sem apontar as principais mazelas sociais, que igualmente são consequências de um modelo de desenvolvimento insustentável nas suas diferentes dimensões.
Deve-se compreender que estamos inseridos não apenas num processo de crise ambiental, mas numa crise civilizatória (Morin, 1995), decorrente do estilo de desenvolvimento economicista (materialista, consumista e industrial) que hipertrofiou o desenvolvimento e de uma visão antropocêntrica de relação utilitarista das pessoas sobre o meio ambiente, diante da qual é necessário romper e construir novos estilos de vida baseados nos paradigmas biocêntricos e sociocêntricos, que juntos compõem o ecocentrismo como ideal moral e ético das relações entre os humanos e com a natureza, deixando para traz a dicotomia ultrapassada da modernidade.
Somos desafiados pelo pensamento estratégico, que combina a visão de longo prazo e ações imediatas, dentro de uma ideologia científica e antropolítica: pensamento complexo; atitude ética; ação prática.
Para que haja essa mudança de comportamento ético nas relações entre indivíduos e destes com o todo, é necessário cultivar e exercitar a “alteridade”. Conceito que vem do latim e pressupõe que cada ser humano é interdependente e interage constantemente com o outro, sendo assim, só existe o eu-individual mediante o contato com o outro. É o outro que revela o meu eu. Eu não sou sem o outro, diferente de mim.
Ou seja, um comportamento ético baseado na alteridade pressupõe uma horizontalização das relações de poder (Galtung, 1977), sem distinções numa trilha de resistência e superação do estilo economista em direção de um modo de vida ecocentrista, no qual não cabem as distinções e desigualdades de gênero, etnicorraciais, geracionais e assim por diante.
Consequentemente, o estilo de vida e o comportamento social ocorre inspirado na ético do cuidado com os bens de uso comuns, conhecidos pelo conceito de commons, ou seja, se é de todos ninguém deve se apossar, tampouco destruir ou poluir, seja água, ar, florestas, biodiversidade ou mesmo outros seres humanos, quanto mais necessitados, mais exigem nosso cuidado e solidariedade.
Portanto, pretende-se chamar atenção aqui para dois aspectos que reforçam as desigualdades e tornam-se entraves para o desenvolvimento do potencial humano simplesmente por pertencer a um determinado segmento social, ou seja, por um lado a discriminação sociocultural, que poderíamos chamar também de “softs skills” (para usar termos da moda), são sutis e reforçam estigmas, que por outro lado se transformam em desigualdade socioecnômica, criando um círculo vicioso de opressão e exclusão no processo de desenvolvimento. Então, percebe como a discriminação sutil tem sua responsabilidade nas desigualdades, por isso, a insistência em mudança de comportamento como parte das mudanças estruturais.
Façamos um exercício simples de mapeamento comportamental: escolha um sujeito que você conhece e que tem um posicionamento antiambientalismo e outra pessoa que é ambientalista convicto. Na sequência escolha um conjunto de temas polêmicos e diversos (também chamados de clivagens nas ciências sociais) e observe algumas palavras típicas usadas por um ou outro quando se relacionam, como por exemplo, com temas como identidade de gênero ou opinião sobre feminismo e sexualidade; relação entre a pobreza com vontade de trabalhar ou falta de oportunidade; falas sutis que relacionam negros ou indígenas com a marginalidade; e assim podes ampliar um conjunto de outros assuntos e tentar confirmar ou refutar a hipótese de que há uma tendência de pessoas individualistas/egoístas serem também ambiambientais, sexistas, racistas, etc na sua linguagem e nas ações cotidianas, enquanto pessoas solidárias/altruístas têm mais cuidado para evitar a discriminação sociocultural.
3. Modelos de desenvolvimento e sujeitos de transformação
Será que foi sempre assim? Onde foi que tudo começou e por que a humanidade enveredou por esse caminho?
Um dos escritores mais célebres da atualidade traz essa reflexão com clarividência. Yuval Noah Harari, ph.D. em História pela Universidade de Oxford e professor na Universidade Hebraica de Jerusalém nos brindou recentemente com a trilogia: Sapiens: uma breve história da humanidade (2011); Homo Deus: uma breve história do amanhã (2016); e 21 lições para o século 21 (2018). Na primeira obra, o autor traça uma genealogia sobre a lógica do sistema econômico atual o qual afirma estar enraizado na origem da Revolução Agrícola:
Tudo isso mudou há cerca de 10 mil anos, quando os sapiens começaram a dedicar quase todo o seu tempo e os seus esforços à manipulação das vidas de umas poucas espécies de animais e plantas. Do nascer ao pôr do sol, os humanos plantavam sementes, regavam plantas, arrancavam ervas daninhas do solo e condiziam ovelhas a pastos verdejantes. Esse trabalho, pensaram eles, lhes garantiria mais frutos, grãos e carnes. Foi uma revolução no modo como os humanos viviam - a Revolução Agrícola (HARARI, 2020, p 91).
Consequentemente, desencadeou-se a revolução cognitiva e científica, as revoluções industriais e culturais da modernidade, mas na essência “A primeira rachadura na ordem antiga surgiu há cerca de 10 mil anos, durante a Revolução Agrícola” (p. 419).
Basicamente, essa mudança na essência do estilo de vida tem a ver com a ética do antropocentrismo, quando o sapiens se coloca como centro do processo de sobrevivência e passa a explorar os recursos naturais como produtos de consumo em seu favor individual em detrimento de seus vizinhos (concorrentes). Daí a preocupação em acumular bens, pois essa lógica levaria a escassez, mesmo que para isso fosse necessário corromper, agredir, tomar os recursos do outro à força ou escravizar e depois legitimar suas ações protegidos pela lei, também conhecida como jus naturale, que precede o papel do Estado. Enfim, vai se encadeando todo um sistema que conhecemos muito bem porque vivemos nele e dispensa estender aqui tantos comentários.
Mas, será esse o único estilo de vida possível? Será que há possibilidades de viver de outra forma que não sob a lógica da exploração do outro e do meio ambiente colocando sempre meus interesses em primeiro lugar? Eu no centro, os outros e a natureza, como periféricos?
Teoricamente há muita coisa escrita sobre isso. Há um campo vasto de discussão, especulação e experimentação no campo de outras economias, mas e na prática? Na prática também há.
Você sabia que nos últimos anos há uma tendência à desmetropolização no Brasil e um crescimento das cidades médias? O IBGE constatou que na década de 1970, com a chamada “revolução industrial tardia” e o fluxo migratório campo-cidade houve um crescimento da população em média de 3,5% nas grandes cidades, passando para 2,1% nos anos 1980, 1,8% nos anos 1990 e 1,1% nos anos 2000. “Isso ocorre porque as migrações inter-regionais diminuíram de intensidade ou, em alguns casos, inverteram-se, haja vista que a própria São Paulo vem registrando saldos migratórios negativos." (Pena, 2022).
O estilo de vida das metrópoles deixou de ser sinônimo de qualidade, antes o contrário, ou seja, a própria consciência ambiental ou o reavivar de valores mais solidários e humanizados que a própria pandemia do coronavírus tem despertado para algumas pessoas, vem provocando atitudes no sentido de mudar o estilo de vida, preferindo uma situação mais simples, com menos consumo e acúmulo de bens e mais contato com as pessoas e com a natureza.
Será que haverá uma tendência em grande escala ou será apenas um certo privilégio de quem pode?
Ao mesmo tempo, pode-se arguir se essa mudança de habitat das metrópoles para cidades menores será acompanhada de mudanças no estilo de vida?
Provavelmente essa hipótese não terá uma confirmação ou refutação imediata, dependerá de um conjunto de fatores estruturais, mas também de atitudes individuais num período histórico de médio prazo.
Contudo, atualmente fala-se bastante em “novas economias”, ou seja, outras formas de produzir e gerir os recursos necessários tanto para a subsistência quanto para proporcionar estilos de vida mais simples e saudáveis que privilegiam a qualidade de vida em detrimento da quantidade de consumo. Essa simples inversão pode representar um processo revolucionário, que começa pela consciência, passando por atitudes éticas e ações práticas.
Daí é que vem a importância da educação ambiental como um meio de despertar para outras possibilidades que são múltiplas. Diferentemente do padrão capitalista de mercado, da produção em escala, da distribuição desigual e do consumo desenfreado e supérfluo, sem se preocupar com as externalidades, outros estilos de vida podem negar padrões e se diversificar amplamente.
Em “A Educação Ambiental Tecida Pelas Teorias Biorregionais”, a autora Michèle Sato (2005) retrata o diferencial da vida em lugarejos como Mimoso (MT), considerado patrimônio da humanidade, como um exemplo do estilo de vida baseado no conceito de biorregionalismo, que depende em primeiro lugar daquela memória afetiva com a terra, com as raízes antropológicas, que muitos de nós ainda guardamos e outros podem ter se esquecidos, mas ao entrar em contato com esse mundo diferente, certamente poderá acessar a sua memória profunda. Portanto, se dê essa oportunidade e aos seus educandos não apenas como turismo, mas como possibilidade de vida.
A autora argumenta que as correntes filosóficas do biorregionalismo são diversas, mas que historicamente nasceu nos Estados Unidos:
em plena efervescência da contracultura, no contexto das comunidades alternativas da Califórnia, que buscaram um estilo alternativo de vida e se consagrou como parte da chamada “Ecologia Profunda” (ALEXANDER, 1996). Em oposição à ausência de sensibilidade ecológica, centralizada na espécie humana (antropocentrismo), a ecologia profunda reivindica pela ética da vida em sua plenitude (biocentrismo). Alguns autores acreditam que o amor pela terra de certas comunidades não foi fruto do movimento ecológico marcado pela contracultura, mas pela ausência de opção na vida urbana que rege o princípio do desenvolvimento. Sua trajetória, assim, não foi em linha reta - enquanto alguns ainda buscam esta alternativa de vida, através da permacultura, hábito alimentar natural, ou modo de vida menos consumista, outros trilharam por um posicionamento mais político da história local, interpretando culturas e comunidades sem negligenciar o ambiente natural circundante das regiões. É nesta segunda vertente que adentramos no mundo da Educação Ambiental (EA). (Sato, 2005, p. 191).
Está feito o convite ou a provocação para se arriscar em outras possibilidades ou pelo menos refletir sobre o tema no sentido de encontrar um estilo de desenvolvimento integral do potencial humano, tão desgastado, agredido e poluído pelo sistema hegemônico atual, quanto o meio ambiente inteiro.
4. Educação ambiental para um comportamento cidadão
Se retornarmos ao conjunto deste texto, podemos perceber que há um fio condutor perpassado pelo convite a um processo de aprendizagem com a vivência prática de cada um, buscando observar como o tema ambiental está relacionado ao estilo de vida, ao comportamento e às escolhas de cada indivíduo (desde que este indivíduo tenha oportunidades de escolhas, obviamente). Tais escolhas éticas se refletem no comportamento sociocultural e nas relações com o outro e com a natureza de maneira interconectada, pois ambos fazem parte de um todo numa concepção que contrapõe a dicotomia homo sapiens e natureza, buscando restabelecer o conceito de desenvolvimento integral e holístico. Por fim, a ideia de que o estilo de vida padrão do sistema hegemônico atual não é a única possibilidade e nem a que proporciona melhor qualidade de vida. Ou seja, toda essa narrativa não é neutra e tem a intencionalidade de provocar o pensamento crítico, mexer inclusive com as emoções e, portanto, trata-se de uma trilha de aprendizagem focada no propósito de promover transformações motivadas pela educação ambiental.
Rodrigues e Colesanti (2008) apresentam um estado da arte da educação ambiental no Brasil naquele momento ao qual se referem:
Nas últimas décadas temos testemunhado o aparecimento de inúmeros movimentos em prol do meio ambiente. Em diversos países, programas e estratégias vêm sendo empreendidas com o intuito de frear a degradação ambiental e/ou de encontrar novas alternativas para processos de produção e consumo menos impactantes. Dentro desse contexto, práticas de Educação Ambiental têm sido intensificadas, tentando sensibilizar e informar as pessoas sobre a realidade ambiental, bem como mostrar e/ou indicar o papel e a responsabilidade da sociedade sobre o que ocorre no meio ambiente. (Rodrigues e Colesanti, 2008, p.52).
As autoras destacam o esforço de inclusão do tema nos currículos escolares de forma interdisciplinar, da produção de pesquisas e de materiais didáticos, na ampliação de cursos de pós-graduação, além do engajamento prático em ações socioambientais, porém finalizam apontando possibilidades promissoras na relação entre a educação ambiental com as novas tecnologias de informação e comunicação.
De fato há grandes possibilidades, inclusive do ponto de vista conceitual, considerando que a Internet tem em sua origem o princípio dos commons, no propósito de compartilhar horizontalmente as informações globalmente, contudo, a prática é sempre contraditória e depende das lógicas e éticas pelas quais as ferramentas são apropriadas.
Neste momento é difícil afirmar se a Internet e especialmente seu “produto mais consumido”, que são as redes sociais, estão coerentes com o princípio do compartilhamento de recursos de uso comum ou simplesmente estão simplificando a linguagem com o objetivo de ampliar o consumo, “criar” novas necessidades, gerar ainda mais desgastes e poluição com a quantidade de supérfluos, acelerando o tempo e, portanto, apressando as catástrofes ambientais, ao mesmo tempo possibilitando maior “flexibilização” para a exploração das forças de trabalho, produzindo a alienação ideológica de que somos todos empreendedores, senhores de si, sem perceber que nos tornamos trabalhadores precários, sem direitos, sem o mínimo de segurança e perspectiva futura, condenados a trabalhar mais e mais, constantemente, sendo cada vez mais improdutivos e adoecidos pelo cansaço (Han, 2017).
Será que somos capazes de sermos protagonistas deste processo de educação ambiental em nossa prática docente? Como fazer? Por onde começar?
Talvez o conceito de self-reliance nos encoraje a ousar ou, como indagava Ristoff (2018), “Por que Johnny escreve mais que João?”
Nossa tendência, dada a nossa auto-imagem extremamente negativa enquanto povo, é atribuir essa diferença a uma menor dedicação dos alunos brasileiros ao estudo do tópico durante as duas semanas que antecederam ao dia da produção do texto. Esta não é uma explicação descartável e, se verdadeira, confirmaria o mito de que o estudante americano estuda mais. No entanto, não temos evidências para fazer uma afirmação categórica a respeito, embora compartilhemos da definição de "mito" do crítico Leslie Fidler, qual seja a de que "o mito é uma mentira que diz a verdade" (Ristoff, 2018, p.11).
Este trecho provocativo talvez nos inspire a acreditar, exercer nossa autoconfiança e “se jogar” para dentro da rede de educadores(as) conscientes de que é necessário fazer algo, coerentes com a ética da sustentabilidade e engajados na prática cotidiana, individual e coletiva, transformando seu estilo de vida e construindo na teoria e na prática, para que as transformações mais profundas no sistema se apresse e ocorram o mais rapidamente possível.
Marques (2017) apresenta um bom roteiro para iniciar uma pesquisa, um texto, deixando fluir os pensamentos, suas histórias e seu projeto de pesquisa, mas, ao mesmo tempo, não se apegue simplesmente à linguagem escrita, pois esta também faz parte do “pacote” de poder da modernidade, estabelecendo uma relação hierarquicamente superior às demais formas de linguagem: oral, visual, teatral, etc.
Importante ressaltar que na educação ambiental não deve haver uma linguagem central e outras periféricas, pois todas as formas de conhecimento e de arte são especialmente valorosas e capazes de expressar saberes, habilidades e emoções. Escolha a sua.
Referências
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